O que é pegação?

Antes de tudo, seja bem vindo ao blog. Este espaço está vinculado a um projeto de pesquisa que tem como objetivo discutir as relações entre homens, masculinidade e a construção de territórios na cidade de João Pessoa, capital da Paraíba. As discussões aqui tratarão principalmente sobre práticas sexuais dissidentes, com foco especial sobre a "pegação".

Pegação, caça, cruising, yiro, trottoir... todos esses termos de variados lugares se referem de modos diferentes a uma prática em comum: a possibilidade de trocas eróticas e sexuais, quase sempre entre pessoas do mesmo sexo biológico, em geral, homens. O termo pegação é por natureza, polissêmico e pode remeter a uma gama variada de práticas e lugares. Tais definições parecem convergir para um aspecto comum que é o estabelecimento de trocas eróticas ou sexuais de caráter furtivo, eventualmente adicionando-se também o aspecto não comercial, bem como o não envolvimento emocional obrigatório. São esses atenuantes que caracterizam e distinguem a pegação de outras categorias de sexo casual como a prostituição e o swing (troca de casais), por exemplo. A coocorrência desses elementos agregadores (sexo não heterossexual, sem finalidade reprodutiva, em local público, não monogâmico) é avaliada como negativa dentro de um conjunto de práticas sociais comprometidas com o disciplinamento dos corpos e prazeres; está localizada assim na zona das práticas sexuais dissidentes que a antropóloga estadunidense Gayle Rubin (neste texto) chamou de “mau sexo”. A autora sustenta ainda que há uma crença de que existe uma forma ideal de fazer, que supostamente deveria ser seguida por todos; por sua vez, essa noção sustenta uma segunda perspectiva de variação sexual como algo maligno. No plano das práticas sociais, os sujeitos que desenvolvem práticas sexuais consideradas limites, espúrias ou sujas podem estar sofrendo injustiças, um processo de “estigmatização erótica” pautado na hierarquização e atribuição de valores distintos, bem como emblemas de normalidade e naturalidade a um determinado conjunto de práticas em detrimento de outras.

Esse tipo de estigmatização erótica atua não apenas sobre os sujeitos e suas práticas, mas também sobre a própria cartografia dos locais onde as práticas se desenvolvem. A prática de pegação pode ocorrer em locais comerciais destinados ao encontro entre sujeitos com afinidades e interesses em comuns, como saunas, boates, cinemas pornôs, ou em locais públicos improvisados para o encontro e o sexo, como parques, praças e a praia. Tais locais, em especial esses improvisados na paisagem urbana, geralmente são chamadas pelos caçadores como “pontos de pegação”, ou, às vezes, resumem a própria prática, sendo chamados propriamente de “pegação” apenas.

A pegação pode ser nomeada de acordo com os lugares em que ocorre, de modo que não raramente se pode ouvir falar em “banheirão” ou “cinemão” para o tipo de encontro travado respectivamente nos banheiros e cinemas pornôs. Ainda que seja uma categoria nativa e usualmente manejada por grupos com práticas homoeróticas e homossexuais, o termo também pode ser aplicado a contexto de práticas heterossexuais, caracterizadas também pelo caráter furtivo e não comercial. 

Em geral a pegação é vista com maus olhos por parte de pessoas que estão inseridas em um meio social mais burguês, em outras palavras, pessoas que se acostumaram e construíram um modo de vida pautado por um ideal tradicional de família, com uma moral muito próxima de valores tradicionais de instituições religiosas judaicas e cristãs (no Brasil, principalmente das variantes pentecostais e neopetecostais). Por conta desses aspectos, e também em um nível mais amplo, devido à condenação da homossexualidade como crime ou anormalidade em um passado não muito recente, a pegação se constituiu como um espaço clandestino, de fuga, mas ao mesmo tempo de escapa. Com o surgimento de um panorama social mais aberto, menos preso à preconceitos e estigmas sociais, especialmente depois dos anos 1970 aqui no Brasil, a homossexualidade passou a ser mais publicamente aceita e a partir da década de 1980, alguns grupos do que chamamos hoje de "movimento LGBT" conseguiram construir um espaço de diálogo com o Estado nacional que pôde garantir muitos direitos assegurados hoje a qualquer cidadão, não importa sua orientação sexual, raça, sexo, etnia, enfim. 

Antes da possibilidade de existência de lugares mais abertos e aceitos (a exemplo de espaços GLS como bares, boates, restaurantes, agências de turismo especializadas, enfim...), os pontos de pegação eram a única alternativa de espaço disponível para qualquer pessoa que desejasse encontrar com outras pessoas do mesmo sexo, seja para conversar, seja para qualquer tipo de envolvimento erótico. Nesse sentido, acredito que a prática e os pontos de pegação têm uma importância história central na história da homossexualidade, pelo menos no Brasil. Desempenhou um papel importante não apenas na criação de um espaço de sociabilidade e de formação de laços, como também foi usado por muitas pessoas como um lugar de resistência, um espaço que possibilitou a criação do movimento LGBT hoje, um agente importante para o estabelecimento de leis e quebra de tabus no que se refere a uma melhor aceitação da homossexualidade na sociedade brasileira.

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